segunda-feira, 5 de abril de 2010

“o melhor momento, no amor, é quando o amante se distancia no táxi”

"Parodiando a frase de Casanova, que se refere aos amores heterossexuais, segundo a qual “o melhor momento, no amor, é quando se sobe as escadas”, deixando explícito que talvez o melhor momento deste tipo de amor é o tempo de sonho que o antecede, é a sua elaboração imaginária antes que o ato sexual venha materializá‐lo e, talvez, quebrar com o seu encanto, que o melhor momento para os amores heterossexuais seria este tempo de espera, de expectativa, este longo tempo de preparação para a sua definitiva consumação, Foucault dirá que para os homossexuais “o melhor momento, no amor, é quando o amante se distancia no táxi”. Amante que, muitas vezes, foi conquistado num encontro fortuito; amores que muitas vezes não tiveram tempo nem de dizer os seus nomes, dada a urgência da satisfação do desejo; encontro instantâneo entre corpos dos quais algumas vezes mal se viu o rosto, dada a escuridão do lugar onde o encontro acontece. É quando o ato sexual acaba, é quando o tempo concentrado, a temporalidade extremamente comprimida do encontro dos corpos passa. É quando o amante se afasta, quando foi embora, que este encontro, que este corpo, que a relação vai ser trabalhada pelo imaginário. Vai ser sempre como lembrança, como memória, como um retornar narrativo sobre a experiência que este encontro ganhará contornos de sonho. Somente depois de ocorrido ele ganhará significado. Talvez, por isso, faça parte da cultura gay, do estilo de vida dos homossexuais, o falar constante, o narrar permanente de suas aventuras sexuais. Enquanto nas relações sexuais heterossexuais a fantasia antecede o ato sexual, lhe serve de estímulo, dá a ele colorido prévio, prepara a sua significação, muitas vezes, as relações homossexuais, por sua instan taneidade, vão alimentar fantasias acerca do que já se passou. Muitas vezes é ao narrar a aventura sexual porque passou, para seus amigos, para outros homossexuais, que o amante fantasiará sobre o corpo, sobre o ato, sobre a própria relação que teve com este outro. Um ato sexual afásico, um encontro que resultou apenas da linguagem dos gestos, dos toques, dos olhares, um ato sexual em que a boca esteve ocupada com outras práticas que não a da fala, pode dar origem, no tempo seguinte, a uma proliferação narrativa, a uma miríade de significações. Um ato sexual que pode ter durado minutos, no tempo que se segue, pode originar horas de narrativas, de fantasias, de sonhos. Um corpo que mal se divisou na escuridão pode alimentar a fabricação de muitos corpos narrados, imaginados, sonhados. Narrativa, quase sempre, centrada no próprio ato sexual, que é assim estendido, dilatado, monumentalizado, memorizado. Um ato, para o qual faltava tempo, ganha, assim, o tempo que não possuía."
 
MUNIZ, Durval. Amores que não têm tempo: Michel Foucault e as reflexões acerca de uma estética da existência homossexual. Revista Aulas (UNICAMP), 2010.

Um comentário:

  1. Gostei, mas me vei a cabeça as questoes acerca da escuridao, da descadencia, do invisivel social dessas relações e isso me fez ler o texto da estética de existencia e nao vi nessas relações homossexuais pensadas dessa forma uma ética que problematize as relações de poder que as cercam,... O que isso quer dizer? Seriam essas relações desprovidas de est(ética), de existência, de poder ou esse pensamento é retrato de uma época que cai no esquecimento quando vemos tantos jovens em praça pública vivendo suas vidas em absoluto show time sem se preocupar com os escuros e furtivos encontros do passante?

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