sábado, 16 de outubro de 2010

A invenção dos Direitos Humanos

O trecho transcrito abaixo,  do livro "A invenção dos Direitos Humanos", da historiadora Lynn Hunt, me fez lembrar das lutas políticas (Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político) das minorias (indíos, negros, mulheres, gays, travestis). De como essas lutas apresentam dimensões físicas e emocionais, forjadas na autonomia e na empatia entre os indivíduos.

"A autonomia individual depende de uma uma percepção crescente da separação e do caráter sagrado dos corpos humanos: o seu corpo é seu, e o meu corpo é meu, e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os corpos um do outro. A empatia depende do reconhecimento de que outros sentem e pensam como fazemos, de que nossos sentimentos interiores são semelhantes de um modo essencial. Para ser autônoma, uma pessoa tem de estar legitimamente separada e protegida na sua sepação; mas, para fazer com que os direitos acompanhem essa separação corporal. a individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional. Os direitos humanos dependem tanto do domínio de si mesmo como de reconhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si. É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocupado ao longo de toda a história"


HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 27-28

...

"Obrigados, muitas vezez, a viver nas sombras, incitados à mentira e ao disfarce, os homossexuais partilham uma visao irônica da vida e dos sujeitos, fazendo do riso e do deboche formas de defesa e um certo estilo de vida. Os homossexuais cedo aprendem que as coisas não são o que aparentam, que as identidades são máscaras que se colocam ou que se tiram ao sabor das conveniências e das ocasiões. Muito cedo um homossexual aprende a desconfiar da seriedade do que lhe é dito e da forma como as coisas são justificadas. Desde cedo aprende que a sociedade é feita de representação e que há um descompasso entre as palavras e ações, o discurso e as práticas. Tendo aprendido, por experiência, que os sujeitos podem se transformar ao simples fechar de uma porta, que uma respeitável verdade pode desaparcer em poucos segundos, entre lençóis, o homossexual tende a relativizar as identidades e as verdades, duvidar das certezas e pôr em questão os valores morais dominantes. A homossexualidade é uma vivência de fronteira, de limite, é um não lugar, que permite um olhar distanciado e crítico em relação à norma, à ordem, aos lugares estabelecidos e valorados positivamente. (...)."

ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. Michael Foucault e a MonaLisa ou como escrever a história com o sorriso nos lábios. In: RAGO, M; VEIGA-NETO, A. Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Por uma vida não-fascista.

"Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento? Os moralistas cristãos buscavam os traços da carne que estariam alojados nas redobras da alma. Deleuze e Guattari, por sua parte, espreitam os traços mais ínfimos do fascismo nos corpos.
Prestando uma modesta homenagem a São Francisco de Sales, se poderia dizer que o Anti-Édipo é uma Introdução à vida não fascista.
Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, que sejam elas já instaladas ou próximas de ser, é acompanhada de um certo número de princípios essenciais, que eu rumiria da seguinte maneira se eu devesse fazer desse grande livro um manual ou um guia da vida cotidiana:

- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;

- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;

- Não caia de amores pelo poder."
 
Michel Foucault. Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido por wanderson flor do nascimento.

domingo, 23 de maio de 2010

O avesso da travesti


Eu sou o avesso do que o Sr. sonhou para o seu filho. Eu sou a sua filha amada pelo avesso. A minha embalagem é de pedra mas meu avesso é de gesso. Toda vez que a pedra bate no gesso, me corta toda por dentro. Eu mesma me corto por dentro, só eu posso, só eu faço. Na carne externa quem me corta é o mesmo que admira esse meu avesso pelo lado de fora. Eu sou a subversão sublime de mim mesma. Sou o que derrama, o que transborda da mulher. Só que essa mulher sou eu, sou o que excede dela.
Ou seja, eu sou ela com um plus, com um bônus. Sou a mulher que tem força de homem, que tem o coração trabalhado no gelo. Que pode ser várias, uma em cada dia da semana. Eu tenho o cabelo que eu quiser, a unha da cor que eu quiser. Os peitos do tamanho que eu quiser, e do material que puder pagar. O que eu não trocaria por uma armadura medieval , uma prótese blindada talvez. A prova de balas, a prova de facas. Uma prótese dura o suficiente para me proteger de um tiro e maleável o suficiente para ainda deixar o amor entrar.
Bailarina troglodita de pernas de pau. Eu fui expulsa da escola de dança e aprovada em primeiro lugar na escola da vida. Vestibular de morte, na cadeira da “bombadeira”, minha primeira lição. Era a pele que crescia e me dava a aparência que eu sonhava. Conosco, a beleza e a morte andam de mãos dadas.
No mesmo trilho de uma vida marcada por dedos que apontam ate o fim da existecia.
Na minha esquina. Sim, aqui as esquinas tem donos. A noite, meninas como eu ou como outra qualquer, usando um pedaço de tecido fingindo ser uma saia, brincos enormes, capazes de fazer uma mulher comum perder o equilíbrio e um salto de acrílico de altura inimaginável, que a faz sentir-se inatingível. Ela merece uma medalha.
Para um carro, um homem ao volante que deixa em casa sua mulher, e quer ser mulher, ate mais feminina que nós talvez. Porque dessa vez os litros de silicone, os cabelos tingidos, os brincos enormes, o saltos altíssimos não impressionaram a ele. Seu desejo é pelo que ela não mostra nas ruas, ela vai ter que se ver como homem mais uma vez. E a vida segue. Muitas morrem, outras nascem cada vez mais novas. E assim elas vão, desviando dos tiros, esbarrando no preconceito, correndo da polícia. Mas sempre com um batom nos lábios, um belo salto nos pés e na maioria das vezes um vazio no coração.
Ela não precisa de redenção.

Rafael Menezes

terça-feira, 4 de maio de 2010

04 de maio de 2010.

Por onde andará a senhora Concentração?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

“o melhor momento, no amor, é quando o amante se distancia no táxi”

"Parodiando a frase de Casanova, que se refere aos amores heterossexuais, segundo a qual “o melhor momento, no amor, é quando se sobe as escadas”, deixando explícito que talvez o melhor momento deste tipo de amor é o tempo de sonho que o antecede, é a sua elaboração imaginária antes que o ato sexual venha materializá‐lo e, talvez, quebrar com o seu encanto, que o melhor momento para os amores heterossexuais seria este tempo de espera, de expectativa, este longo tempo de preparação para a sua definitiva consumação, Foucault dirá que para os homossexuais “o melhor momento, no amor, é quando o amante se distancia no táxi”. Amante que, muitas vezes, foi conquistado num encontro fortuito; amores que muitas vezes não tiveram tempo nem de dizer os seus nomes, dada a urgência da satisfação do desejo; encontro instantâneo entre corpos dos quais algumas vezes mal se viu o rosto, dada a escuridão do lugar onde o encontro acontece. É quando o ato sexual acaba, é quando o tempo concentrado, a temporalidade extremamente comprimida do encontro dos corpos passa. É quando o amante se afasta, quando foi embora, que este encontro, que este corpo, que a relação vai ser trabalhada pelo imaginário. Vai ser sempre como lembrança, como memória, como um retornar narrativo sobre a experiência que este encontro ganhará contornos de sonho. Somente depois de ocorrido ele ganhará significado. Talvez, por isso, faça parte da cultura gay, do estilo de vida dos homossexuais, o falar constante, o narrar permanente de suas aventuras sexuais. Enquanto nas relações sexuais heterossexuais a fantasia antecede o ato sexual, lhe serve de estímulo, dá a ele colorido prévio, prepara a sua significação, muitas vezes, as relações homossexuais, por sua instan taneidade, vão alimentar fantasias acerca do que já se passou. Muitas vezes é ao narrar a aventura sexual porque passou, para seus amigos, para outros homossexuais, que o amante fantasiará sobre o corpo, sobre o ato, sobre a própria relação que teve com este outro. Um ato sexual afásico, um encontro que resultou apenas da linguagem dos gestos, dos toques, dos olhares, um ato sexual em que a boca esteve ocupada com outras práticas que não a da fala, pode dar origem, no tempo seguinte, a uma proliferação narrativa, a uma miríade de significações. Um ato sexual que pode ter durado minutos, no tempo que se segue, pode originar horas de narrativas, de fantasias, de sonhos. Um corpo que mal se divisou na escuridão pode alimentar a fabricação de muitos corpos narrados, imaginados, sonhados. Narrativa, quase sempre, centrada no próprio ato sexual, que é assim estendido, dilatado, monumentalizado, memorizado. Um ato, para o qual faltava tempo, ganha, assim, o tempo que não possuía."
 
MUNIZ, Durval. Amores que não têm tempo: Michel Foucault e as reflexões acerca de uma estética da existência homossexual. Revista Aulas (UNICAMP), 2010.

domingo, 4 de abril de 2010

Estéticas da Existência

“Estética da Existência diz respeito à fusão do pessoal com o público. Encontra-se na formulação do sujeito liberto das individualidades burguesas, ou na utopia do indivíduo livre e autônomo. (...). diz respeito a uma série de valores móveis construídas por práticas de liberdade na luta contra gorvenamentalidades, as relações de poder e o governo de si e dos outros, as relações de si para consigo. Trata-se de liberarmos do Estado e da individualização (...). Estética da Existência é uma ética em elaboração do presente provocando atitudes problematizadores nas relações de poder, as práticas de saber de poder e ao retorno a si, arruinando o sujeito universal.”
Edson Passetti – Estéticas da Existência: ingovernáveis
Revista Aulas, (UNICAMP), 2010.

quinta-feira, 4 de março de 2010

La vie des hommes infâmes.

“(...) ora aí está o senhor, sempre com a mesma incapacidade de transpor os limites, de passar para o outro lado, escutar e fazer ouvir a linguagem que vemde fora ou de baixo; sempre a mesma escolha, do lado do poder, do que ele diz ou faz dizer. Estas vidas, porque não ir escutá-las lá onde falam por si próprias?– Mas, antes de mais, daquilo que elas foram na sua violência ou na sua infelicidade singular, será que nos ficaria o que quer que fosse, se, a dado momento, não tivessem cruzado o poder e provocado as suas forças? Afinal, não será um dos tacos fundamentais da nossa sociedade o facto de o destino tomar aqui a forma da relação com o poder, da luta com ou contra ele? O ponto mais intenso das vidas, aquele em que se concentra a sua energia, encontra-se efetivamente onde elas se confrontam com o poder, se batem contra ele, tentam utilizar-lhe as forças ou escapar-lhe às armadilhas. Nas palavras breves e estridentes que vão e que vêm entre o poder e as existências mais inessenciais, é sem dúvida aí que estas últimas encontram o único momento que alguma vez lhe foi concedido; é o que lhes dá, para atravessarem o tempo, o pouco de fulgor, o breve clarão que as traz até nós”.
Foucault, 1977

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

"Sou travesti. Tenho direito de ser quem eu sou."



29 de janeiro - Dia da Visibilidade das Travestis
Sou travesti. Tenho direito de ser quem eu sou

Principais alvos da violência discriminatória, travestis de todo o país criaram material para sensibilizar a população contra o preconceito. A campanha de promoção de direitos humanos e prevenção à aids contém toques de celular, telas de descanso e vídeos de celular, cartazes e folderes.
É a primeira vez que as travestis produzem e criam o conceito de um material destinado para elas mesmas. Com o slogan “Sou travesti. Tenho direito de ser quem eu sou”, a proposta é promover a inserção social e a imagem positiva das travestis, além de disseminar o conhecimento sobre as formas de prevenção a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, além do o combate à violência e à discriminação.
“Como são vítimas de violência e da dificuldade de acesso a serviços públicos, como saúde e educação, as travestis tornam-se mais vulneráveis à infecção pelo HIV”, explica a diretora do Dep. de DST, Aids e Hepatites Virais, Mariângela Simão. Produzir o seu próprio material, diz, as torna protagonistas de suas próprias histórias. Na vida real, elas não são ouvidas, nem vistas. Não acolhidas de forma adequada nos serviços de saúde, elas também têm mais dificuldades para recorrer aos instrumentos necessários à prevenção às DST e outros problemas de saúde.




quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Amizade

Ontem reencontrei dois grandes amigos. Por motivos que a razão e o coração conhecem, melhor ocultar-lhes os nomes. A presença deles despertou em mim, as melhores lembranças. Lembrei-me de quando ainda acreditava que o mundo podia ser meu. Mas essa lembrança, eu lembro agora. No momento eram apenas as melhores lembrança, agora é melancolia. Um lembrar triste. No reencontro, eu lembrei mesmo foi da possibilidade do amor impossível. Ela não leu. Ele gostaria de ter lido. "O fato de que o outro possa não responder ao seu chamado, de que ele sempre esteja livre para não responder, e que, não obstante, apesar de tudo - todo o resto e todos os outros - ele responda e, que, com essa resposta você se salve da destruição do tempo, abrindo outra dimensão do ser". Os dois certamente concordariam com Derrida. Lembrei-me do que nunca esqueci: da amizade. Daquela amizade que deixa as pessoas eufóricas quando se reencontram. Daquela amizade que é responsável pelos sorrisos mais contagiantes, e não menos invejáveis. Daquela amizade, que por não ser apenas amor, salva da destruição do tempo, abrindo outras dimensões do ser.
Amo vocês. Meu poeta predileto. Minha mulher que ama mais do que todas as outras. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Presente de Elisa



"Eu, úmida, parada no meio de uma rua transversal da cidade, sentia-me o avesso de uma menina. Meu rosto, onde a pele do professor se juntara à minha, era puro resplendor. Eu vibrava toda em sensibilidade, algo que me incomodava sem doer, feito uma unha quebrada. Era uma alegria, que apesar de ser alegria, pesava: difícil ser eu mesma daquele jeito insolente. Um calor me vinha de dentro do corpo, do tempo em que batia o coração, mas que também se marcava pelos passos que percutiam na calçada. Eu enfrentava o vento frio, como se houvesse chegado a algum extremo. Cada coisa já tinha sua sombra. Uma delas se instalara em mim, e ao menos por aquele momento, eu achava que era uma bênção. Porque são abençoadas, as pessoas continuam a viver"
O tempo e a memória - arquitetura do arco-íris.